Entrada

Fiquei a olhar para ela durante algum tempo um bocado sem saber o que dizer, e como sabia que não valia a pena dizer nada, pois mesmo que dissesse não ia apagar nada fiquei calado durante minutos.
-Eu Chamo-me Axl Anthony McDonell - sempre detestei o meu segundo nome, mas pronto... - Faço vinte e quatro anos a nove de Abril, tenho o décimo segundo ano, apesar de tudo tive uma média de dezoito. - Fiz uma careta. - Já tive uma namorada - abanei a cabeça pensativamente - mas como eu era e sou um drogado ela disse-me adeus e decidi que fazer as vidas das pessoas um pouco mais irritantes era mais fácil e divertido para mim. - Parei tentando pensar em mais alguma coisa - tenho um monte de irmãos, mas apenas dois são filhos do mesmo pai que eu. O meu irmão gémeo e outro... sempre me dei bem com o Bryan, mas agora ele nem me pode ver à frente - encolhi os ombros - não tenho mais nada a dizer.

-Uh hum. - acenti com um pequeno som na minha boca. Metade daquelas coisas já eu sabia, mas manti-me silênciosa sem saber o que dizer. Quando finalmente me lembrei de algo - Só isso? - perguntei, esperando que ele dissesse algo mais interessante. Afinal, a vida de um drogado não poderia ser assim tão... de rotinas.

Olhei para ela para depois olhar para o tecto.
-E depois apaixonei-me outra vez - encolhi os ombros - vamos ver televisão - disse ligando a tv e mudando para um filme qualquer começando-o a ver com atenção enquanto me voltava a sentir um bocado ensonado e com dores.

O quê? Ele disse o quê? O quê? Am?... e foi assim que eu fiquei quando ouvi o que ele disse. Ia abrir a boca para falar, embora não saísse grande coisa, mas ele abriu-a mais depressa e mudou de assunto.
-Sim.. claro.. - acabei por concordar, meio confusa - Vamos - acrescentei, tentando sentir-me bem com aquilo que ele tinha dito. Não fiques com esperanças Amanda. acabei por ouvir. E tinha razão. Afinal ainda havia a Brayce e provávelmente um milhão e um de mais gajas que ele poderia estar apaixonado... no entanto... - Estás bem? - voltei a perguntar, interrompendo os meus pensamentos, quando reparei que a expressão facial dele tinha mudado.

-Sim, só tenho sono. - disse-lhe evitando-lhe dizer que tinha dores e fechei os olhos deixando de ligar à televisão e ao filme e adormecendo cansado e com uma mão enroscada em Amanda.

Claro que me senti.. envergonhada e embaraçada... afinal ele tinha dito aquilo e logo a seguir mudado de assunto. E provavelmente nem era eu. E depois ele decidiu pôr a mão à volta da minha cintura e eu sentia-me... estranha. Tentei afastar os meus pensamentos, por muito bons ou maus que fossem, e estiquei-me para apagar a luz. Mesmo assim, as luzes da árvore de Natal ficaram acesas. Era altura de desmontar a árvore de Natal, não? Deitei-me ao lado dele e ele continuou com a mão no mesmo sitio, acabei assim por adormecer também, aos braços dele.

Sangue, tanto escorri para minha cara, pelas minhas mãos e havia muitas armas a dispararem ao mesmo tempo. Sabia que estava num sonho e queria acordar mas não conseguia. Era a pior coisa que me podia acontecer, não conseguir acordar de um sonho. Acorda vi-me a mim mesma a gritar e depois fiquei novamente um puto de doze anos a olhar para o pai com os miolos a sair. Vi a carta da minha mãe na sala com um monte de papéis espalhadas pela mesa. Detectado: esquizofrenia. É hereditário. Porra! Acordei suado e com os olhos arregalados enquanto tentatava associar as coisas na minha mente. O Bryan. Tentei levantar-me mas tive que agarrar-me com força à mesa à nossa frente sentindo uma grande dor na minha ferida.
-Au merda, foda-se. - Queixei-me caindo de joelhos.

Acordei com gritos do Axl e quando estava a abrir os olhos já ele estava a cair de joelhos ao meu lado.
-Axl! - gritei, preocupada e agarrei-o - Estás bem? O que é que se passa? - perguntei, fixando-o nos olhos. Aquela atitude não era normal dele, principalmente depois de ter adormecido tecnicamente bem. Abanei-o, tentando acordá-lo totalmente, percebi que ele tinha tido um pesadelo. Mas um simples pesadelo não o podia fazer assim. - Axl! - chamei novamente, visto que ele não me respondia. Tentei virá-lo e metê-lo direito, e após algum esforço consegui.

Olhei para a t-shirt manchada com sangue do dia do tiro, que estava em cima do sofá, e peguei nela vestindo.
-Preciso de ir ter com o Bryan - disse-lhe levando a mão à ferida, como se ajudasse em alguma coisa e saindo de casa o mais rápido que consegui batendo a porta com força e andando ao mancão com dores que tentava não pensar.

Levantei-me e tentei apanhá-lo para ele não ir, a ferida ainda estava a sarar e o médico tinha-lhe dito para ficar repousado. Para além disso, onde é que ele ia tanta pressa? Ele nem devia sair, para o caso de encontrar um policia e toma-te, ia para a prisão.
-Axl! - chamei, tentando puxá-lo pela t-shirt. Desapareceu num piscar de olhos e por muito que eu corresse atrás dele não ia a lado nenhum. - Raios Axl, o que foi agora?! - perguntei a mim própria, indecisa de haveria de continuar a correr ou não. Acabei por lhe mandar uma mensagem e ir buscar as minhas coisas a casa, arrumar a desarrumação da árvore de Natal e ir a minha casa ver o que haveria de fazer.

Depois de ir a casa e dar uma volta pela Bond Street e Oxford Street à procura de Axl, decidi voltar a casa e ver se ele lá estava. Abri a porta e olhei em volta.
-Axl? - chamei, sem obter resposta. Ia a fechar novamente a porta quando ouvi um barulho do outro lado. Olhei para trás e vi Axl com a t-shirt ainda mais manchada do que já estava e a coxear. Corri até ele e coloquei o braço em cima do ombro dele, tentando-o ajudar a entrar - O que se passou? Onde foste? Estás bem? - ia continuar a perguntar mas achei que começava a parecer-se um interrogatório e se não fosse algo completamente idiota ele contar-me-ia a história toda.

-Nem por isso - admiti deixando que ela me ajudasse e sentei-me num degrau das escadas vendo que não tinha a maior parte dos pontos. - Boa. - ironizei olhando para ela. - Importas-te de ir buscar água? - Perguntei olhando para a minha mão. Ela foi e passado uns minutos ouvi a campaínha a tocar vezes e vezes sem conta levantei-me pensando que fosse a minha mãe e quando abri vi Bryan com uma cara furiosa que me desferiu logo um murro e uma joelhada na barriga. Fiz um ligeiro som dorido e quando me apercebi já estava no chão.
-O que é que se passa contigo? - Perguntei tentando gritar mas sem voz. Um gajo aqui a tentar curar-se e a tentar chama-lo à razão e ele vem a minha casa e bate-me?

Não liguei ao que ele disse e com a cabeça quente continuei a dar-lhe uns murros, apenas parei quando percebi que ele nem luta dava. Olhei para o sangue na camisola e fiquei intrigado parando.
-Não tinhas nada que tentar nada com a minha namorada - gritei-lhe e ele fez uma cara confusa como se não estivesse a perceber nada. Pois.. claro.

-Claro. - assenti, descendo até à cozinha. Aqueci a água e pu-la num jarro. Mas que raio é que lhe tinha acontecido? Espreguicei-me e comecei a subir as escadas, preparada para ouvir uma longa história. Mas em vez disso quando entrei deparei-me com Bryan à pancada com Axl. 'Não tinhas nada que tentar nada com a minha namorada'... Essas palavras ecoaram na minha cabeça de tal maneira que acabei por deixar cair o jarro e partir-se no chão, queimando os meus pés. Foi nessa altura que os rapazes deram por mim - Eu.. am... - gaguejei, sem saber o que dizer - O que aconteceu? - acabei por perguntar, mantendo-me no mesmo sítio

Olhei para Amanda estática no sitio dela e de seguida para a água. Boa também para ela, lindo serviço. - O menino Bryan adora fazer histórias na cabeça dele - respondi-lhe e vi Brayce a entrar em casa. Com as mãos e a rastejar fui novamente sentar-me nos degraus das escadas com a cabeça a latejar. -Mas que porcaria é que lhe disseste Brayce? - perguntei

Continuei no mesmo sítio, começando a sentir um ardor nos pés embora já estivesse um pouco mais aliviada, até certo ponto.
-Alguém me é capaz de explicar o que se passa? - interrompi a balbúrdia, totalmente confusa. Então, o Axl tinha acordado aos gritos, saído de casa, rasgado 'por engano' a roupa à Brayce, voltado a casa como se nada fosse e com imensos pontos rasgados, o irmão dele do qual eu ainda não sabia bem o nome tinha aparecido e espancado bem o Axl, a Brayce tinha vindo atrás... não, nada me estava a fazer sentido.

-Tens certeza? - Perguntou Bryan aos beijos a Brayce. Revirei os olhos.
-Sim, ela tem a certeza. - respondi-lhe em vez dela -mas esqueceu-se da parte em que eu mandei o mais gordo e burro atrás dela quando ela já tinha desaparecido e de quando fiz o mais alto ficar K.O. - acrescentei - peço desculpa por acrescentar isto, às vezes gosto de tentar explicar que não sou o mau da fita - expliquei ficando cansado de falar. - Eu só queria falar contigo. - Disse num tom de resmungo. Amanda interrompeu-nos e eu tentei levantar-me agarrado ao corrimão das escadas.
-Hoje faz onze anos que o nosso pai morreu - expliquei mais para Amanda do que para as outras pessoas. - eu só queria ir falar contigo, encontrei a Brayce pelo caminho mas ela assustou-se deu-me um murro aqui - disse dramaticamente enquanto apontava para o sitio. No peito, demasiado perto da ferida e do meu ponto de equilibrio para me aguentar em pé - e quando me tentei levantar agarrei na camisola dela, mas ela fugiu gostaram da história? - Perguntei desiquilibrando-me com uma tontura.

Cruzei os braços e sentei-me, tirando os sapatos que já não estavam bons.
-Muito. - declarei, sarcástica - E se agora nos contasses a parte do que querias falar com Bryan que era tão importante que saiste de repente?! - contrapus, irritada. Sim, já tinha arranjado uma desculpa para o resto. Mas porque raio é que ele tinha de ter saído assim se ainda por cima sabia que estava ferido? Também ignorei o facto de Brayce estar ali aos beijos com o irmão de Axl que por acaso era gémeo. Aquela rapariga era tão cabra.

-Quarta gaveta ao lado direito da cama - disse engolindo em seco e olhando para o tecto. Quase que parecia um filme, quando um ferido está no chão e vê tudo a dobrar ou apenas um bocado disturcido, eu estava a sentir isso, mas a dobrar e os dois ao mesmo tempo. Fechei os olhos sentindo água escorrer pelo meu corpo e no que pareceu largas horas Brayce apareceu com a minha mala preta. Shit. Ela vai ficar tão lixada comigo pensei, mas já não aguentava com dores.

-Obrigado - agradeci-lhe pela primeira vez em muito tempo.
Sabia que não demoraria muito tempo até deixar de sentir dores quando ela me espetou com a agulha no braço. Quando isso finalmente aconteceu olhei para eles todos à minha volta.
-Tanta gente, saiam daqui - mandei, mas eles não o fizeram e continuaram a olhar-me. - chatos - resmunguei. Bryan veio em direcção a mim e ficou a olhar-me. Semicerrei os olhos enquanto olhava para ela. - Não estou a morrer, yah?
-Porque é que estávas à minha procura hoje? - Perguntou-me frizando bem a palavra hoje.
-Porque encontrei-te - disse-lhe - e queria contar-te o que aconteceu.
-Vais confessar? - Fiquei a olhar para ele durante algum tempo.
-Não, porque o pai tinha esquizófrenia - anunciei - vi uma carta em cima da mesa. A mãe sabia e não fez nada. - disse respirando algumas vezes fundo. Ele era médico, ele saberia porque é que eu lhe estava a contar isto, pois se o pai tivesse outra doença que não passasse de pai para filho ele nunca ouviria uma quarta vez a história outra vez. Sempre lhe ocultei a parte da doença porque sinceramente nem eu tinha certeza, mas hoje tive e tinha que lhe contar.