Escritório / Biblioteca

Agarrei-o por um braço como resposta e puxei-o para mim dando-lhe um beijo como o de há pouco.
Isto responde-te? - perguntei quando os nossos lábios se separaram e o meu sorriso voltou.

-Não, tu dás-me cabo da cabeça - resmunguei encostando-me à parede - primeiro não agora é sim. - revirei os olhos e olhei para ela precipitando-me para a frente e beijando-a.

-Foi sempre um sim, parvinho - respondi-lhe dando-lhe mais um beijo e afastando-me dele para a estante. Passei um dedo pelos livros e verifiquei que estavam cheios de pó - Anda lá, namorado, temos muito que fazer - provoquei carregando na palavra namorado para gozar com ele.

Revirei os olhos.
-Vá lá, não gozes, sabes bem que não sou dessas coisas floridas e fofinhas e... coisas - resmunguei indo atrás dela e passando-lhe um livro, colocando-me depois à frente dela. - Não vai mudar muito, a única coisa que te garanto é que vou ser só teu, mas não quero que penses que vou andar todo o dia a dizer que te amo.

Sorri, estranhamente não me sentindo mal por o que ele estava a dizer.
-Não faz mal, pelo menos sei que não vais comer a Brayce, a minha prima ou outra puta qualquer da zona... - e ia continuar quando aqueles momentos me vieram à cabeça e pensei que agora que as minhas espectativas eram grandes magoar-me-ia muito mais facilmente - Não vais fazer isso, pois não? - perguntei assustada

-Eu fiz-te o pedido não fiz? - Perguntei olhando-a nos olhos para que ela confiasse em mim mais facilmente e visse que estava a dizer a verdade - Eu não vou andar a comer ninguém. Agora somos mais que uma dupla entre uma suicida e um esquizofrénico drogado. - sorri dando-lhe um beijo.

-Sim, está bem... - respondi aceitando o beijo dele e ficando a limpar com um pano a estante dos livros em silêncio - Então, a preocupação já te passou? - interroguei em busca de o quebrar. Espera... Espera... Depois de ter dito isto comecei a rir-me sózinha. A sério Amanda? Eu estou a namorar com um atrasado mental todo drogado ahhh poissssss pensava eu tendo um ataque de estúpidez mental, e quem estava a passar por atrasada mental era eu.

Fiz uma careta quando ela se começou a rir sozinha depois de me fazer aquela pergunta.
-Não, e não precisas de te rir que eu sei que não acreditas em mim - resmunguei atirando mais livros para a mesa.

E continuei a rir-me. Um drogado. Esquizofrenico. Há 10 anos atrás era uma coisa que nem me passava pela vida ter. Até porque na altura a única coisa que queria é não ter sequer uma vida.
-Não é isso!... - exclamei entre gargalhadas idiotas.

Olhei para ela colocando os livros na mesa com força.
-Amanda, não te rias de mim, fogo. - resmunguei já a ficar irritado. Acho que mais valia não lhe ter dito nada, se era para ela se rir de mim à força toda.

Respirei fundo e contei até dez para me controlar. Até lhe contava mas isso só o iria pôr mal disposto.
-Vá, anda cá - abracei-o fortemente para que ao sentir os músculos sedosos dele me acalmasse e pensasse que ele era só um anim... um rapaz normal, que... pronto era um rapaz.

Suspirei sentindo-a a abraçar-me e coloquei o seu cabelo apenas para um sitio e beijei-lhe o pescoço.
-Consegues ser tão mázinha - resmunguei - e depois ainda falas de mim.

-Mas tu gostas. - respondi agora com toda a certeza que era verdade e afastei-me dele novamente. Nunca me tinha sentido assim tão bem como sentia agora, e isso era uma espécie de milagre.

-É -. sentia-me estranho a dizer aquilo, nunca tinha pensado em arranjar uma namorada a sério, nunca tinha pensado em gostar de alguém e agora dizer aquilo... aquele não era definitivamente eu, mas o que é que se pode fazer? Eu gosto dela, não dá para negar. Suspirei sorrindo e quando passei pela janela novamente vi de novo o gajo. - Amanda - chamei, mas não a vi lá. Dei um murro na parede e desci as escadas vendo-a na cozinha com um pano na mão, provavelmente para limpar os livros, - Anda- arrastei-a escada a cima e coloquei-a na janela, mas ele já tinha desaparecido. Suspirei sentindo-me desesperado e deixei a cabeça cair pelo vidro.

-O que se passa? - perguntei enquanto ele me arrastava pelas escadas até à janela. Olhei por ela mas não vi nada - Axl! - refilei - não está aqui nada tu não estás bem! - gritei preocupada com lágrimas a cairem-me dos olhos. Porque é que a merda da doença dele tinha de estragar tudo agora?!

-Pára - pedi sentindo o mármore gelado na minha testa, fazendo contraste com a minha pele quente. Fechei os olhos durante um bocado e voltei a levantar a cabeça olhando de novo para a rua. - Eu estou bem Amanda, acredita em mim - supliquei passando as mãos pela testa e endireitando-me enquanto olhava para ela.

Respirei fundo. Calma Amanda, calma. Mas se ele estava bem porque raio estava a ver um homem?! Ou estava mesmo ali um, que eu não conseguia ver, ou ele tinha voltado às drogas e os medicamentos não funcionavam, ou não estavam a funcionar, ou sei lá... Qualquer uma delas, não era bom sinal, o que me fazia tremer, não como há pouco.
-Eu acredito. - disse calmamente, embora fosse mentira - Mas onde está o homem? - interroguei com o mesmo tom.

-Esquece o homem - pedi tentando desviar o assunto, porque eu sabia que ela não estava a acreditar, eu podia ser doente mas não era burro e continuava a conseguir ver quando me mentiam e sinceramente... Amanda nunca mentiu muito bem. - Apenas acredita que eu estou bem. - apontei para a minha mala - tu viste, eu não tenho andando a consumir nada - isso também se notava pelo facto de eu andar sempre mal disposto, com suores frios e mal algum tipo de comida me caía no estômago ia parar ao chão ou à sanita. - Eu mudei, ainda hoje - dei um exemplo - eu ainda hoje te disse que te amava.

Aproximei-me dele. Ele tinha razão , é verdade que ele tinha. Mas algo se passava, e isso não era bom sinal e fazia-me totalmente mal. E o facto de ele me ter dito que me amava, piorava a situação porque... porque agora me sentia diferente . e as minhas expectativas eram maiores, o que significa que o meu coração estava aberto e magoava-se facilmente.
-Eu sei, mas... - e bloqueei olhando para baixo perto dele - ... tenho medo de não estares bem. e se estás, porque raio estás a ver um homem? - perguntei ainda com o olhar baixo.

-Mas agora já não o vejo, ele desapareceu enquanto te fui chamar. - expliquei novamente e abanei a cabeça - Esquece isto agora - pedi perto dela e agarrando-lhe nas mãos. - Vamos dar uma volta? - Perguntei como pretexto de sair de casa e deixar de ver coisas. Já nem eu sabia que estava a inventar ou se realmente esteve ali alguém. Se estivesse, ao sair de casa estariamos em segurança, ou não?

Levantei a cabeça e assenti com a cabeça ainda com os meus nervos. Sair de casa talvez fosse bom, mas irritava-me o facto de ele sair assim não ser uma boa ideia. Desci as escadas com ele e quando abri a porta senti os braços a arrepiarem-se desta vez com o frio e comecei a subir as escadas.
-Espera, vou buscar o casaco - pedi enquanto o fazia

Ouvi um som vindo de cima que me alertou. Eu não estava a ouvir coisas, não estás a ouvir coisas. convenci-me a mim próprio e agarrei na mão dela. - Eu dou-te o meu, não tenho frio. - garanti-lhe. Não lhe podia dizer que tinha ouvido um som, quando ela nem sequer se apercebeu. Já chegava de cenas por hoje.

-Deixa, eu vou lá - neguei e arranquei o meu braço da mão dele e subindo as escadas até ao quarto normalmente. Abri a porta e fui até ao armário e tirei o casaco que lá estava. Vesti-o e olhei-me ao espelho, quando vi no reflexo da imagem um homem com uma faca atrás de mim. O meu primeiro instinto seria gritar mas ele agarrou-me e com a mão tapou-me a boca proibindo-me de falar e encostou a faca ao meu corpo.
-É triste perder alguém que nos era proximo, não é? - perguntou-me ele encostando a sua boca à minha orelha - Agora, escolhe. Vou-te largar. Se gritares, o teu querido Axl morre mesmo à tua frente. Se não gritares nem fugires, eu deixo que te defendas. - disse e largou-me. Cruzei os braços conscientemente e não gritei. Ele tinha razão, Axl tinha razão. Um homem estava ali. E por isso não devia ser ele a sofrer, mesmo que provavelmente conseguisse safar-nos aos dois como sempre preferi não arriscar
-Para depois me matares? - perguntei e ele acenou com a cabeça andando de um lado para o outro.
-Agora chama-o, sem lhe dizeres porquê.
-Porquê? - interroguei sem pensar e ele parou olhando para mim com uma cara de mau.
-Chama-o apenas. - ainda fiquei um bocado a pensar no que haveria de fazer. Tinha aprendido a jogar estes jogos com o Axl desde o momento em que me raptaram, embora ainda não tivesse treinado com ninguém. Acabei por chamá-lo tentando não chorar.
-Axl! - gritei embora a tentativa de não chorar tivesse falhado e já sentisse lágrimas no canto do olho.

Senti que algo estava errado assim que ela me chamou. Subi as escadas a correr e mal cheguei ao quarto vi-o. Eu sabia, eu sabia que não estava a alucinar! Procurei pela minha faca discretamente nos bolsos e arregalei levemente os olhos quando percebi que não a tinha. Bela merda.
-Pensava que tinhas morrido com o tiro Axl. - semicerrei os olhos confuso.- Foi tão certeiro que até eu fiquei admirado.
-Era para mim? - andei pelo quarto descontraídamente como se lhe dissesse que não estava minimamente preocupado por ele estar ali comigo desarmado.
-Não, era para tu veres o que era sofrer. Foi direccionado para a tua mãe, mas nós temos uma coisa em comum - sorriu. - Eu não suporto armas "não-branca". - rodou a faca dele na ponta dos dedos.
-Podias ter acertado nela, não me faria diferença.
-É verdade, por isso é que estou aqui. - Foi fechar a porta atrás de nós e puxou o cortinado para trás. - Então? Quem morre? A menina com os olhos bonitos ou tu? - Olhou para mim.
-Tu - sorri cinicamente e isso irritou-o fazendo-o vir na minha direcção. Puxou-me pelo colarinho e tinha que admitir que ele era demasiado grande. Eu já era, então ele... era um gigante. Senti a ponta da faca nos meus abdominais mas não me mexi.
-Não me irrites puto - empurrei-o já farto de o estar a aturar e desviei-me para o lado da janela.
-Não me irrites tu a mim.
-Quem morre? - Perguntou novamente numa voz mais grossa a tentar impôr respeito.
-Já disse que és tu. - Resmunguei e arranquei o cortinado, num movimento rápido enrolei-o à volta do pescoço fazendo-o cair e olhei para Amanda. - Sai. - Disse-lhe.

Axl subiu e começou a hora do verdadeiro jogo. Sim, porque afinal eu só tinha piorado as coisas. Não tinha acreditado em Axl e por causa disso isto estava a acontecer. Sem pensar saí do quarto como ele me disse mas fiquei paralisada no corredor. A culpa era toda minha. Ao menos se eu tivesse acreditado nele, nada disto aconteceria. Mas não. Fuck, e agora era tarde demais. E o homem já tinha chegado. E eu já os tinha deixado a sós no quarto. O terrível pensamento que ele podia morrer ou quase morrer como de antes aterrorizava-me profundamente, ainda pior que antes. E o pior é que ele nunca me ouvira a dizer que eu sentia o mesmo por ele. Talvez fosse óbvio, talvez até eu tivesse aceitado o pedido dele oficial após lhe pedir, mas a verdade é que ouvir as palavras acaba sempre por ser melhor. Eu que o diga. Encostei-me às escadas a pensar no que tinha feito sem saber bem o que fazer. Agora era tarde demais para voltar e a qualquer momento um deles poderia morrer. E agora? Agora nada.