A Cozinha

Bati com as mãos na mesa e levantei-me.
-Não olhes para mim assim, eu não estou para morrer. - Pedi-lhe fazendo as minhas irmãs virarem-se para mim assustadas. Bufei fazendo barulho com as portas e dirigindo-me à porta da entrada.

Esperei uns segundos antes de falar, tentando manter a calma.
-Mary, Melanie, podem ir um bocadinho lá para fora por favor? - pedi, com uma voz mais fina e baixinha que o normal para me poder controlar. Elas levantaram-se caladas e foram para o exterior - Axl... - murmurei e fechei os olhos, esperando que ele descarregasse a raiva toda.

Abri a porta e cerrei os punhos mal Amanda me chamou novamente, em vez de sair virei-me para ela abrindo a boca para dizer tudo o que tinha a dizer. Ia pedir-lhe para se calar, para parar com a pena que sentia, com o facto de me estar sempre a vigiar, mas algo estalou na minha cabeça e a minha vontade de dizer isso tudo desmoronou-se. Percebi as figurinhas que estava a fazer e virei-me novamente colocando uma mão na porta que estava aberta e encostando-me a ela com uma dor enorme no peito. Apenas me apercebi que estava a chorar quando já não conseguia ver nada. Enterra-te mais Disse o meu subconsciente enquanto eu estava irritado comigo próprio por estar a fazer aquelas figurinhas.

Continuei com os olhos fechados com algum medo do que ele me fosse dizer mas ao fim de uns segundos de silêncio abri os olhos e comecei a vê-lo a tremer até que começou a chorar encostando-se à porta. Melanie e Mary olhavam do lado de fora e eu fiquei sem saber bem o que dizer.
-Axl... - chamei baixinho, enquanto me levantava e o abraçava de costas. Nunca na vida eu provavelmente iria descobrir o que ele estava a sentir, ninguém sabia. E o que é que eu lhe podia dizer para o ajudar? Que ia tudo correr bem? Era uma doença crónica, não umas diarreias - Não te preocupes... - tentei acalmá-lo, sem êxito - Eu vou estar aqui sempre, para tudo... - murmurei, sem saber bem se era verdade ou não e por isso não acrescentando a palavra prometo

Pára de fazer figuras tristes, pára, pára, pára. Pedia-me a mim próprio e quando consegui endireitei-me ainda virado de costas para ela, e continuando provavelmente durante algum tempo assim, porque neste momento eu não conseguia olhar para ela. Limpei a porcaria das lágrimas e subi o mais rápido que consegui para o meu quarto. Deitei-me na cama de barriga para cima e fitei o tecto tentando soltar-me da sensação de vergonha que tinha. Acho que só consegui fazê-lo quando adormeci.

Apetecia-me gritar, apetecia-me ir embora, apetecia-me arrancar os cabelos da Brayce todos de uma vez e apetecia-me queimá-la viva. Num momento eu estava toda feliz com o Axl, no momento seguinte ele tem esquizofrenia e no momento a seguir, naquele em que devia estar a passar o meu Natal de sonho, a Brayce aparece e destrói-o como tem destruído sempre. E EU é que tenho de ter a calma? EU?! Até a Mary e a Mel gostam mais dela, porra! Eu não estava ali a fazer nada e aposto que ela concordava. Rugi e fui até à cozinha, já que tinha de ser eu a fazer tudo. Tirei os pratos e pousei-os na mesa, enquanto deixava o perú a marinar. Ao menos estava a fazer alguma coisa, e se a Brayce se atrevesse a meter tinha uma faca na mão. E se fosse culpada? Ela tinha-me drogado e não lhe tinha acontecido nada, por isso merda para ela.

Mordi o lábio para não me passar dos carretos e não era preciso conhecer muito do Bryan para saber que daqui a um bocado ele explodia e fazia mais danos que eu.
-Ela já deu dois passos sozinha - comentei com Brayce referindo-me a Melanie, podia ser pouco para a idade dela, mas a forma como ela estava até já era muito. Levantei-me com o irritante olhar de Bryan em cima de mim e fui à cozinha vendo-a começar a cozinhar.
-Amanda. - Chamei vendo-a irritada e aproximando-me por trás. Coloquei o cabelo dela para um lado e fiz com que as mãos delas parassem.
-Não vamos comer o peru agora. - virei-a fazendo com que ela ficasse de frente para mim - Acalma-te e não se piquem uma à outra. Ignora-a apenas e não estou a gostar que usem as minhas irmãs para fazerem inveja uma à outra. Elas gostam das duas, aliás, até gostam mais de mim e do Bryan. - reclamei e voltei a arrumar o que ela tinha feito. - Vamos fazer fritos, que é o que ser fazer melhor. - disse enquanto tirava batatas pré fritas.

Quando Axl saiu atrás da Amanda suspirei indo ter com Brayce e sorrindo levemente. Peguei em Melanie e deu-lhe um beijo.
-Vais ter que dar três passos agora. - disse para ela - e quando aprenderes a falar dizes à fofa da cunhada que ela não pode engordar assim. - falei num tom de resmungo deitando-a ao meu colo e percebendo que estava feliz, não só por estar eu e Brayce aqui, mas por estarmos todos juntos.

Desliguei o fogão e suspirei tentando contar até 10 mentalmente para não me passar. Vá lá Amanda, tu consegues... Mas no 7 acabei por explodir e dizer tudo o que raio tinha na minha cabeça. Eu não ia estar ali a sofrer, a Brayce estava a ter o que queria e não merecia.
-Não sou eu que ando a tentar fazer ciúmes! É aquela coisa que está na sala! Axl eu nunca lhe fiz nada, merda! Ela drogou-me, ela matou os meus bebés, ela chega a toda a parte e consegue ter tudo melhor que eu e no final eu é que sou a parva! - gesticulei apontando com um dedo para mim e dirigindo-me a ele com uma expressão irritada - Mas claro, a Brayce é a melhor... - ironizei - Num dia é uma drogada sem vida e no dia seguinte tem os seus sonhos realizados! - continuei com o meu tom sarcástico, enquanto o meu olhar era desfocado pelas lágrimas - E eu continuo aqui, contigo, a perceber-me que afinal ela tinha razão e quem não tem a vida sou EU! - e continuei a resmungar, a refilar, a choramingar como se fosse uma parva. E se calhar até era mesmo. Mas não podia fazer nada, porque aquela loira burra estragava sempre tudo. - E as miúdas gostam dela, o meu Natal já está arruinado! Não há razão para eu estar aqui! - O Natal que eu sonhava há anos. E pronto, a Brayce tinha estragado tudo, novamente.

Quando Brayce e Amanda acabaram de discutir dei um passo em frente e olhei para Brayce virando-me para ela, visto que não chegou a sair, pois Bryan agarrou-a.
-Primeiro para ti - disse com uma tom sério na voz, talvez fosse a primeira vez que o usasse - Enganaste-te no irmão. Eu não sou fofo. - apontei para o Bryan - ele é fofo.
Depois virei-me para Amanda e quase que não consegui dizer aquilo que queria, pois acho que pela primeira vez me sentia magoado.
-Disseste que continuavas comigo e que a Brayce tinha razão, porque comigo não tens vida. Mas afinal porque é que estás aqui? O que é que te prende aqui? Eu sei cuidar de mim, tenho drogas no andar de cima, no andar de baixo e até no jardim, por isso - encolhi os ombros e meti as mãos nos bolsos das calças indo calmamente até ao meu quarto. Ao fim de algum tempo, consegui ouvir uns passos no soalho e vi Bryan a entrar no meu quarto.
-O que é que queres? - Perguntei deitado na minha cama. Ele encolheu os ombros e sentou-se num sofá que eu tinha à frente da minha cama.
-Não me apetece ouvi-las mais.

Tirei o pacote de comprimidos com uma receita para uma próxima vez e coloquei-os em cima da cama dele. Tinhamos estado em silêncio e a ouvir silêncio durante uma boa meia-hora e isso era bom, mas também era sinal que Brayce se tinha ido embora.
-Toma isso todos os dias por volta das horas de deitar. Agora tenho de ir. - Levantei-me e ele olhou para mim de lado.
-Já devias ter ido à muito tempo. - Olhei para ele de volta.
-Axl! - Resmunguei e vi-o a encolher os ombros.
-O que foi? Agora só por ter o que tenho, se é que tenho - colocou em duvida e eu olhei para a mão dele assim como ele fez - anda toda a gente toda cuidadosa comigo. Vão-se embora, por favor! - Pediu, mas eu ainda dei um passo em frente.
-Ao menos promete que tomas isso, se não sentires diferenças nenhumas... . abanei a cabeça - vem falar comigo e eu próprio faço-te o exame.
-Espero que seja de graça - resmungou e eu fiz um pequeno esgar e por momentos lembrei-me de um pequeno problema.
-Precisas de deixar a droga - ele olhou para mim de repente.
-Porquê? Não posso... - engoliu em seco.
-Axl, como não podes?! Eu vivo sem drogas, toda a gente vive sem drogas. Olha a Brayce! - Dei um exemplo e ele mandou-me um comando à cara, ao qual eu me desviei.
-Vai-te embora.
Dei-lhe uma ultima espreitadela quando estava à porta e quando vi que ele não ia mudar de ideias e que estava incrivelmente revoltado saí daquela casa.

Fiquei em estado paralisado até ela ir embora, sem vista devido às lágrimas, sem voz devido aos gritos de à pouco e sem reacção porque metade do que ela me tinha dito era verdade e o Axl em vez de me ajudar tinha praticamente dito para eu ir embora. Só me consegui mover quando A Brayce foi-se finalmente embora com a Mary que tinha assistido aquilo tudo e ficado no seu sítio. Porque é que ela tinha de aparecer sempre e estragar sempre tudo? E para sua informação, eu nunca tinha estado e nunca iria estar com Axl por causa da merda do dinheiro. Aquela parva não sabia nada da minha vida para além de saber que eu vivia com os meus tios. Ela não fazia ideia do que era chegar a casa e ver a mãe num banho de sangue na casa de banho. Provávelmente ela também nunca tinha tido uma infância boa, mas daí a dizer que eu era uma mimada não ia longe.... Oh merda. Naquele momento? Naquele momento queria fugir, mas só lhes ia dar mais razão e ia voltar sempre, nem que fosse só para vir buscar as roupas. E sim, Axl precisava de alguém para tomar conta dele. Não só porque ele era um esquizofrénico mas mais porque ele era um drogado esquizofrénico, que não apoiava muito a cena. Subi as escadas e bati à porta, sabendo que Axl lá estava. Não sabia no que ia dar aquilo, mas também não sabia o que fazer visto que não tinha muito mais opções.
-Axl, desculpa aquilo que eu te disse. - disse baixinho, abrindo a porta. E a verdade era que de qualquer das maneiras eu não tinha nenhum sítio para ir a não ser aquela mansão estúpida da minha família.

Dirigi-me à cozinha e sentei-me ao balcão, esperando que fosse ele a preparar os cereais.
-Que dia é hoje ? - perguntei inconsciente do calendário.

Peguei em duas taças e em leite
-Hoje é dia de natal Amanda. Que te parece? - ri-me colocando cereais na taça e indo buscar os meus comprimidos.

Estiquei-me agarrando na minha taça de cereais e comecei a comer.
-Espera - raciocinei - Hoje é dia 25 de Dezembro? - e de repente o sorriso desapareceu da minha cara.

Tomei os meus comprimidos e sentei-me à frente dela levando uma colherada de cereiais à boca. Assenti. - Sim, ontem foi dia vinte e quatro, foi por isso que trocamos presentes à meia noite - brinquei.

Claro amanda. Hoje é dia de Natal. Como é que eu não pensei nisto mais cedo? Dia 25 de Dezembro. Dia de Natal. Também fora há alguns anos que a minha irmã morrera. Pisquei os olhos lentamente, lembrando-me de repente de cada segundo de felicidade à depressão que tinha passado naquele dia, sem nada dizer.

Olhei para ela vendo a sua expressão facial mudar. Estiquei o braço tocando-lhe no queixo.
-O que foi? - perguntei olhando para ela - Eu disse alguma coisa de mal?

Abanei a cabeça, deixando derramar uma simples lágrima que me escorreu pela face até chegar ao balcão. Levantei-me de repente indo ao cabide e vestindo o casaco sem nada dizer
-Não... tu... não... eu... - gaguejei sem conseguir completar a frase. Parei dois segundos perto dele e fui-me embora sem lhe dizer mais nada, correndo em direcção ao cemitério.

Com a reacção dela percebi que não tinha sido eu a provocar aquilo. Quando ela saí peguei no meu casaco vesti-o à pressa e fui atrás dela até ao cemitério. Suspirando, eu detestava o cemitério, não suportava estar num, deixava-me sempre de mau humor. Fiquei atrás dela e não falei, até ao momento em que percebi que ela precisava de um abraço. - Fala comigo - pedi abraçado a ela.

Assenti com a cabeça e mal ele abriu a porta larguei-o para me ir sentar no sofá.
-Acredita, já estou habituada... - confessei e fiz uma carinha triste.

-Tens que te desabituar. - sorri dando-lhe uma palmadinha levezinha na bochecha e sorrindo. - Estive a pensar e acho que vou falar com os teus tios.

Fiquei a olhar para ele com os olhos bem abertos, confusa.
-Tu o quê? - perguntei sem me mexer.