Estação de comboios

Corri até ao cemitério, que não ficava muito longe da estação de coimboios. Entrei a correr e procurei a campa da minha irmã, sentando-me (rudemente) em cima de uma campa de um idoso que morrera e que estava enterrado perto dela.
-Viv... - solucei - Desculpa se me esqueci... - só tínha três anos e ela seis quando ela faleceu. no entanto, aqueles três anos pareciam ter sido 20 ou 30 e pareciam ter decorrido ontem. pareciam tão reais, tão ... tão verdadeiros. Relembrava-me deles até ao último pormenor. Foi a última vez que me lembrava de ser feliz. Mas ela, ela tinha de ter aquela estúpida doença. E os meus pais nunca perceberam. Eu é que deveria ter morrido, e não eram só eles a concordar com isso. Ela não merecia. Ela era perfeita. Corpo perfeito, cabelos perfeitos, olhos perfeitos, boca perfeita. personalidade perfeita. eu? eu era só uma parva qualquer que nunca merecia estar ali. Era ela. Era ela quem deveria estar viva. E não era com um ex-drogado esquizofrénico qualquer. Asseguro-vos que, se ela estivesse viva, namoraria com um dos príncipes da inglaterra e a Kate Middleton não era mais que uma pobre gaja.

Meti as mãos nos bolsos e voltei a afastar-me vendo-a a falar com a irmã. Engoli em seco sentando-me e colocando o queixo sobre os joelhos evitando olhar para o cemitério e para o local onde o meu pai estava.

Esfregava as mãos e via o dióxido de carbono que deitava fora a ficar branco, como se tivesse estado a fumar, mas era apenas do frio.
-Nunca devias ter morrido... muito menos assim... - continuei, sentindo-me completamente parva por estar a falar com uma campa e Axl ali ao fundo a olhar-me. As palavras acabaram-se. Estava a sentir-me tão tão tããão mal.

- Anda cá - peguei nela como se fosse um bebé e aproximei-a de mim abraçando-a. - Não te sintas assim - pedi sabendo como ela se sentia - não tiveste culpa. - murmurei-lhe ao ouvido.

Encostei a minha cabeça ao seu peito, e pouco depois a blusa dele estava encharcada de lágrimas.
-Mas não deveria ter sido ela a morrer... - balbuciei entre soluços.

-Também não devias ter sido tu a morrer. - toquei-lhe no cabelo - O que é que eu era sem ti? - Perguntei fazendo-a olhar-me e limpando-lhe as lágrimas. - Nada. - dei-lhe um beijo na testa e voltei a abraça-la.

Por um certo lado, ele tinha razão. Mas ela merecia muito mais estar ali que eu. E mesmo que eu não lá estivesse, a Brayce tinha tomado conta dele sem mim. E o Bryan teria arranjado outra. O destino arranjava sempre maneira de safar.
-Terias o teu irmão. Terias a Brayce. - argumentei

-Não Amanda - abanei a cabeça - Eu não teria o Bryan, a Brayce não estaria tratada e estaria pior que eu, quer dizer, o mais provável era estar morto. - concluí. - Tu és importante e não acredito na porcaria do destino. - resmunguei - Acredita e mim.

Agarrei-me mais a ele, sem dizer nada, visto que me apercebera que ele tinha razão, até as lágrimas acabarem por completo.
-Obrigada. - murmurei com uma voz rouca ao fim de algum tempo.

Sorri levantando-me e fazendo-a vir comigo e passei os olhos pelo cemitério arrepiando-me.
-Vamos embora, por favor. - quase que implorei.

Agarrei-o pelo braço, percebendo que se passava alguma coisa. A minha cara tornou-se séria, novamente.
-Que se passa? - perguntei fazendo pressão para ele não se ir embora.

Olhei para ela encolhendo os ombros.
-Não foi nada.. eu só não gosto de cemitérios. - disse vagamente e dando-lhe a mão.

Apertei-lhe a mão, percebendo o que se estava a passar.
-Axl, ele está aqui ? - perguntei fixando-o nos olhos.

Os meus olhos pararam nos dela e fui obrigado a responder-lhe. Assenti com a cabeça afirmando a sua pergunta. - Está. - repeti, desta vez, em voz alta.

Puxei-o para mim e dei-lhe um longo e leve beijo.
-É natal Axl. - sussurrei - Anda, vamos vê-lo. - pedi e agarrei no seu braço, passando por várias campas esperando que ele me indicasse onde estava.

Impedi-a que andasse mais e olhei-a.
-Não Amanda, eu não quero... hoje não. - baixei o olhar. - Eu não consigo..

Puxei-o mais uma vez para mim e aproximei os nossos lábios , mas desta vez sem o beijar.
-Axl, vá lá. - pedi baixinho - Tu sabes que consegues... - encorajei e fiz um pequeno sorriso cheio de sentimentos.

Abanei a cabeça - não, não sei. - Sorri-lhe também dando-lhe a mão e encolhi os ombros. - Está bem, vamos. - disse indicando-lhe o caminho.

Segui-o em silêncio até à campa de seu pai, onde estavam gravadas algumas memórias.
-Vai. - incentivei

Olhei para a foto que estava no porta-retratos e engoli em seco. Já me tinha esquecido que ele era tão parecido comigo. Virei costas. - Não, vamos embora.

Coloquei-me à frente dele e dei-lhe mais um beijo, agarrando-o na barriga, impedindo-o de recuar mais. Olhei-o nos olhos.
-Axl, é Natal... - murmurei entre dentes.

Procurei pela mão dela e puxei-a para vir comigo. Sentei-me frente à campa e abanei a cabeça.
-Nem penses que vou falar com ele. Isto é uma campa e ele não me ouve.

Sentei-me calmamente ao colo dele e acalmei-o acenando com a cabeça enquanto lhe fazia uma festa na sua bochecha.
-Faz como quiseres... - murmurei e pousei a minha cabeça no seu ombro, fechando os olhos.

Peguei na fotografia dele e olhei para ela estremecendo ao lembrar-me dos últimos momentos.
-Ele foi tão estúpido - disse baixinho voltando a pousar o porta-retratos. - Não, a minha mãe foi tão estúpida.