Entrada

Abri a porta de casa e mandei tudo o que tinha nas mãos para o chão. A raiva corria-me nas veias como um rio bravo que percorria o seu caminho até que no fim caia como um riacho. Olhei para o móvel da entrada e mandei tudo o que tinha em cima do mesmo para o chão. As peças de vidro ficaram em cacos e os bonecos de metal pesado, caíram no chão provocando um barulho oco e irritante. Olhei de relance para a porta da sala e vi o focinho de Scooby a espreitar. Ele mesmo estava com medo de mim e isso fez-me chorar. Aquele era o único ser vivo que podia dizer com todas as letras a palavra ‘amo-te’ sem ser julgada ou apontada por certos momentos da minha vida. Era ele que me ouvia nas noites frias de inverno e nas quentes de verão onde passávamos horas no jardim. Era ele que me ajudava a curar as ressacas com pequenas brincadeiras, era ele que me fazia a maior e melhor companhia do mundo…
Do nada, sai disparado detrás da porta e corre até à principal começando a ladrar. Enruguei a testa e ouvi do outro lado da porta movimento e seguidamente uns latidos de um cão que parecia ser mais pequeno que o Scooby.

- Scooby volta aqui. - Ordenei limpando a cara e fazendo uma festa no dorso do adorável cão. Olhei para Axl e sorri abanando a cabeça negativamente. Aquela imagem era no mínimo adorável e cómica e tudo porque ele tinha nos braços uma cadela de bolso com um laço extremamente fofo na cabeça. Aproximei-me lentamente deles e peguei na cadela, elevando-a um pouco no ar e olhando para ela com um ar adorável. - Ele ladra mas não morde pequerrucha. - Disse encostando o nariz húmido dela ao meu. - Ficou todo maluco quando cheirou uma cadela tão sexy como tu. - Ri-me alegremente e vi Scooby aproximar-se lentamente e empoleirar-se nas minhas pernas de modo a cheirá-la.

- Ele não lhe salta para a espinha. O meu cão não se chama Axl… - Retorqui num tom frio e distante. Voltei a tirar-lhe a cadela das mãos e ajoelhei-me ao nível de Scooby. - Este é o Scooby. - Apresentei virando a pequena cadela para o meu cão que a cheirou e lhe lambeu o focinho num gesto meigo. - Vês, eu disse que ele não mordia. - Comentei rindo-me alegremente.

- Obrigada… - Agradeci ainda na mesma posição. Sorri ao ver Pinkly morder o focinho a Scooby e soltei uma gargalhada leve. - Deixa-me ficar com ela por umas horas… - Pedi esfregando os olhos para não cair na tentação de chorar ali mesmo.

- Axl há muita coisa sobre mim que tu não sabes… - Foi o que lhe fui capaz de responder perante toda aquela desconfiança. - Vai lá ver a tua namorada… - Murmurei.

- Se não é parece. Tanta preocupação só porque lhe fizeste um filho? - Revirei os olhos e levantei-me ficando em frente dele. - Não te tomava por tão melodramático. - Ri-me num tom de gozo.

- Agora não é nenhum! - Gritei chamando-o à atenção. - Nenhum… - Repeti com um sorriso travesso. - Sabes o que me deu mais gosto ver? - Questionei aproximando-me dele com cautela. - Foi a cara dela naquele bar, agarrada à frágil barriga e a gemer de dores. - Disse com uma ponta de ironia. - Sabes Axl…eu posso ser muito boa para quem quero mas eu tenho limites e esses tu já os passaste. Eu não quero de ti um namorado ou coisa que o valha… - Ri-me. - Quero um amigo…porque na minha vida eu só tenho um e esse chama-se Scooby… - Murmurei limpando uma lágrima solitária.

- Magoa não, magoa? - Gritei empurrando-o pelo peito e desfazendo-me em lágrimas. - Nunca ninguém em tratou tão mal desde que fugi daquela casa…foste o único que me fez chorar depois destes anos todos. - Atirei revoltada. - Eu odeio-a…eu odeio todos e por muito que tente que sejas simpático comigo tu descarregas em mim como se fosse um posso sem fundo. - Solucei. - Eu não aguento isso outra vez! - Murmurei.

- Se não me tratas mal não sei o que tens feito até agora. - Comentei afastando-me ligeiramente dele. - Entra… - Convidei virando costas e entrando em casa.

- Vai. - Tirei-lhe a cadela das mãos e coloquei-a no chão vendo-a desaparecer com Scooby para a sala. - Depois passa por cá para a vires buscar. - Limpei as lágrimas.

Revirei os olhos e fechei-lhe a porta na cara. - Cão! - Rabujei indo para a sala.

Vi Pinkly sair da cama a correr e de seguida ouvi alguém bater à porta. Agora sabia que era Axl. Levantei-me lentamente da cama e agarrei nos meus óculos de sol, colocando-os. Desci as escadas atrás da pequena cadelinha e limpei as lágrimas que ainda me escorriam pelos olhos. Tinha sido a noite toda…Abri a porta e funguei. - Olá… - Cumprimentei com a voz a falhar-me.