Jardim

Quando cheguei a casa a primeira coisa que fiz foi tirar a roupa que tinha no corpo e vestir apenas uma t-shirt larga que me dava um pouco abaixo do rabo. Arrumei as minhas malas para um canto do escritório e foi nele que descobri a minha caixa das “recordações”. Lá guardava toda a droga que tinha sobrado do ano passado e tudo o que tinha a ver com esse mundo a que tinha pertencido durante anos e anos. Foram momentos de tristeza, angústia mas também de muita felicidade. Tinha os seus contras mas também os seus argumentos a favor e um deles era que me esquecia de tudo o que rodava à minha volta e os meus problemas resumiam-se a pequenas penas na minha cabeça. Hoje em dia deparo-me apenas com pedras no meu caminho, desde pessoas a problemas familiares e até mesmo a um ser, se assim se podia já chamar, que nem sabia para que mundo vinha tão pouco o que vinha ver e viver. Depois de olhar aquela caixa negra de interior vermelho de Veluto, suspirei e por momentos tive vontade de cair de novo naquela tentação pecaminosa que me tinha levado a fazer tanto bem mas ao mesmo tempo tanto mal seja a que pessoa for. Arrisco-me a dizer até a mim mesma! Fechei a caixa e guardeia de novo no fundo falso da secretária onde só eu e Bryan tínhamos conhecimento do que ali estava. Saí do escritório rumo ao jardim e foi aí que passei o resto da tarde a olhar o nada e a brincar o melhor que conseguia com aqueles dois seres de nomes Rocky e Scobby que me conseguia fazer rir com as suas brincadeiras parvas e deveras caninas. Olhei o meu relógio de pulso que olhava as oito da noite e suspirei sentindo a minha barriga fazer barulhos. Contudo não me levantei para meter algo na boca e jurei que iria ser mais forte que a minha fome.

Depois de os miúdos virem da escola, dei-lhes de comer batendo de novo a minha fome e após estar um pouco com eles, meti-os a dormir. Regressei ao terraço com a guitarra que tinha na sala e sentei-me num dos sofás tocando uns acordes ao acaso. Mais tarde lembrei-me de uma música dos Kings Of Leon que adorava e decidi tocá-la e cantá-la.

Mandei um pequeno pulo no sofá e olhei-o meia a medo. Pousa a guitarra ao meu lado e engoli em seco.
- Podemos... - Disse metendo as perninhas à chinês e suspirando.

- Eu sei mas não tenho sono nem vontade de dormir… - Disse passando a mão pela testa e olhando depois para os meus pés quando ele me pediu para me explicar. Na verdade não havia muito para explicar mas se ele queria ouvir o que quer que fosse, ia ouvir. - Foi no dia 24 que soube que estava grávida, naquela vez que me apanhaste a chorar no quarto. Daí tomei a decisão que ia fazer o aborto porque apesar de querer ser mãe eu respeito a tua decisão. - Comecei por dizer, deixando as lágrimas escorrerem pela minha cara. - Eu não consegui contar-te Bryan e custou-me muito mas eu sabia que ou falavas mal para mim ao ponto de acabares tudo, ou falavas mal para mim ignorando-me durante uns dias. Decidi não contar por agora mas ia contar-te com o tempo porque nem eu me habituei ao que fiz… - Desabafei tapando as mãos com a cara e soluçando. - Eu nunca vi uma coisa tão má na vida como médica, eu pensei que aquilo viesse tudo desfeito mas… - Neguei olhando o céu e fechei os olhos lentamente.

- Não Bryan não é nada disso! Eu tive medo ok? Tu não querias ter esta criança e para a ter e tu simplesmente olhares para ela só como minha filha não dá! - Disse olhando-o nos olhos. - Não me critiques pelo que fiz, eu já me sinto de rastos por tudo Bryan, é um choque que nenhuma rapariga de 23 anos sonha sequer passar. - Disse soluçando e limpando a cara.

- Desculpa… - Murmurei olhando para os meus pés e sentindo os meus olhos mais que cobertos de água. Aquilo estava-me a custar tanto quanto a ele e não queria ficar chateada com a pessoa que amava por um erro meu.

Assenti agarrando-lhe na mão e levantei-me puxando a guitarra com a outra. Deixei-me levar por ele para o quarto e no caminho pousei o instrumento no sofá.